O consumo de papel higiênico aumentou 211% no início da pandemia em 2020. Os dados são do estudo da consultoria Kantar, que apontou que o medo do desabastecimento foi o principal fator a impulsionar a corrida pelo produto.

Mas não é de hoje que o consumo deste tipo de papel cresce no país. Além de o Brasil estar entre os 10 maiores produtores de papel Tissue do mundo (utilizado para produzir, entre outros, o papel higiênico), de alguns anos para cá, mudanças de hábitos do consumidor, como a substituição de papéis de folhas simples por folha dupla, ou mesmo um maior interesse pela opção de folha tripla modificaram a produção da indústria.

Além disso, o Brasil tem uma vantagem extra: a ampla disponibilidade de fibra curta, muito utilizada na produção de papéis para toalete por conferir mais maciez ao produto. Como é possível fabricá-lo com até 100% de fibras curtas, a abundância de matéria-prima permite às grandes produtoras brasileiras de celulose – que têm como clientes importantes fabricantes de Tissue – ampliarem suas vendas, em especial para mercados como Estados Unidos e Europa.

Globalmente, salvo restrições culturais ou religiosas, o papel higiênico também tem apresentado crescimento no consumo, acompanhando os índices de desenvolvimento econômico e fazendo com que mais pessoas tenham acesso a esse item de necessidade básica.

Mas, se por um lado o consumo aumenta, por outro é preciso pensar na ponta final deste processo: o descarte. E aqui entra um termo que vem causando muita confusão no mercado.

 

Hidrossolubilidade ou hidrodispersão?

É comum ouvir falar popularmente em papel higiênico hidrossolúvel, o que dá ao consumidor a ideia de um produto que irá “sumir” na água ao ser descartado no vaso sanitário. Mas não é bem isso que acontece.

Primeiramente, é preciso compreender os conceitos. E, embora o papel higiênico seja um tipo de papel fino e absorvente para uso sanitário que parece se “desmanchar” em contato com a água, na prática a realidade é um pouco diferente.

“Nenhum papel é solúvel em água ou hidrossolúvel, uma vez que as fibras celulósicas também não o são”, explicam Anderson Meca e Marcos Scheil Gonçalves, respectivamente coordenador da Comissão Técnica de Papel e membro Especialista da Subcomissão Técnica de Tissue da ABTCP (Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel).

O termo correto é hidrodispersão. Isto porque hidrossolúvel é algo que se dissolve por completo em contato com a água, como é o caso do café ou do açúcar. Já hidrodispersão significa que o material irá se desagregar em partículas minúsculas (neste caso, as fibras celulósicas), mas não irá desaparecer.

“Sabemos que as fibras que compõem o papel não se solubilizam em água, porém, para fins comerciais, a utilização do termo hidrossolúvel acaba por fazer uma ponte intuitiva na mente do consumidor, de que o papel em contato com a água irá se desfazer rapidamente, sem causar entupimentos das tubulações de esgoto, por exemplo”, completam Anderson e Marcos.

 

Papel higiênico no vaso sanitário: pode?

Embora hoje exista uma tendência entre as empresas de instituir o descarte do papel no vaso sanitário a fim de evitar mau cheiro, dispêndio com sacos de lixo ou mesmo a contaminação cruzada pelo manuseio na recolha do papel sujo, esta orientação precisa ser vista com certo cuidado.

“Os sistemas hidráulicos brasileiros, de maneira geral, não estão preparados para receber essa massa de papel, além do fato de o papel ser uma fibra e poder se ‘alojar’, grudar em pequenos desgastes de canos, materiais tubulares ou protuberâncias das redes. Essa fibra, ao secar, torna-se um material duro e sólido novamente, que pode vir a trazer problemas futuros”, destaca a diretora da Ipel, Luciana Dobuchak.

Outro ponto é que, segundo o IBGE, quase 40% dos municípios brasileiros não têm serviço de esgoto por rede coletora, o que faz com que muitos dejetos sejam jogados diretamente na rede fluvial ou no mar. Então, muito além de uma questão estrutural, o descarte incorreto pode trazer danos ambientais. Sem contar que, mesmo que houvesse uma rede de esgoto mais bem preparada, não é qualquer papel de linha higiênica que pode ser descartado em vasos sanitários. O papel toalha, por exemplo, não se desagrega e pode se tornar um incômodo em fossas sépticas ou no recebimento dos esgotos para tratamento. E aí caberia às empresas educar os colaboradores sobre quais papéis poderiam ser jogados no vaso sanitário e quais não.

Independentemente das tendências no meio corporativo, várias empresas estaduais de tratamento de água já vêm se posicionando a respeito do assunto. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) informa em seu site que o papel higiênico não deve ser jogado no vaso sanitário por razões de entupimentos na rede interna. A Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) também chama a atenção dos cidadãos para não jogar lixo no vaso sanitário, já que as tubulações de esgoto de casas e prédios da região têm, no máximo, 10 centímetros de diâmetro e o descarte de resíduos, entre eles o papel higiênico, pode causar entupimentos na rede. Já a Empresa Baiana de Água e Saneamento (Embasa) desenvolveu até uma cartilha explicando aos cidadãos o porquê de não descartar lixo – incluindo papel higiênico – no vaso sanitário, uma vez que podem entupir as instalações sanitárias internas dos imóveis.

Embora não haja lei que regulamente essa questão no país, contar com o bom senso pode ser o primeiro passo para evitar problemas nas redes de esgoto. Na impossibilidade de garantir que o sistema de seu prédio ou de sua cidade comporta o descarte em vasos sanitários, o mais prudente ainda é fazê-lo nas lixeiras. “Ambientalmente, o papel higiênico tem pouco impacto a médio prazo, já que é biodegradável e, em cerca de três meses, acaba por sumir por completo em aterros ou mesmo em depósitos de lixo”, conclui Luciana.

Fonte: Revista Higiplus