Tudo o que você precisa saber sobre papéis “hidrossolúveis”
31-01-2022O consumo de papel higiênico aumentou 211% no início da
pandemia em 2020. Os dados são do estudo da consultoria Kantar, que apontou que
o medo do desabastecimento foi o principal fator a impulsionar a corrida pelo
produto.
Mas não é de hoje que o consumo deste tipo de papel cresce
no país. Além de o Brasil estar entre os 10 maiores produtores de papel Tissue
do mundo (utilizado para produzir, entre outros, o papel higiênico), de alguns
anos para cá, mudanças de hábitos do consumidor, como a substituição de papéis
de folhas simples por folha dupla, ou mesmo um maior interesse pela opção de
folha tripla modificaram a produção da indústria.
Além disso, o Brasil tem uma vantagem extra: a ampla
disponibilidade de fibra curta, muito utilizada na produção de papéis para
toalete por conferir mais maciez ao produto. Como é possível fabricá-lo com até
100% de fibras curtas, a abundância de matéria-prima permite às grandes
produtoras brasileiras de celulose – que têm como clientes importantes
fabricantes de Tissue – ampliarem suas vendas, em especial para mercados como
Estados Unidos e Europa.
Globalmente, salvo restrições culturais ou religiosas, o
papel higiênico também tem apresentado crescimento no consumo, acompanhando os
índices de desenvolvimento econômico e fazendo com que mais pessoas tenham
acesso a esse item de necessidade básica.
Mas, se por um lado o consumo aumenta, por outro é preciso
pensar na ponta final deste processo: o descarte. E aqui entra um termo que vem
causando muita confusão no mercado.
Hidrossolubilidade ou hidrodispersão?
É comum ouvir falar popularmente em papel higiênico
hidrossolúvel, o que dá ao consumidor a ideia de um produto que irá “sumir” na
água ao ser descartado no vaso sanitário. Mas não é bem isso que acontece.
Primeiramente, é preciso compreender os conceitos. E, embora
o papel higiênico seja um tipo de papel fino e absorvente para uso sanitário
que parece se “desmanchar” em contato com a água, na prática a realidade é um
pouco diferente.
“Nenhum papel é solúvel em água ou hidrossolúvel, uma vez
que as fibras celulósicas também não o são”, explicam Anderson Meca e Marcos
Scheil Gonçalves, respectivamente coordenador da Comissão Técnica de Papel e
membro Especialista da Subcomissão Técnica de Tissue da ABTCP (Associação
Brasileira Técnica de Celulose e Papel).
O termo correto é hidrodispersão. Isto porque hidrossolúvel
é algo que se dissolve por completo em contato com a água, como é o caso do
café ou do açúcar. Já hidrodispersão significa que o material irá se desagregar
em partículas minúsculas (neste caso, as fibras celulósicas), mas não irá
desaparecer.
“Sabemos que as fibras que compõem o papel não se
solubilizam em água, porém, para fins comerciais, a utilização do termo
hidrossolúvel acaba por fazer uma ponte intuitiva na mente do consumidor, de
que o papel em contato com a água irá se desfazer rapidamente, sem causar
entupimentos das tubulações de esgoto, por exemplo”, completam Anderson e
Marcos.
Papel higiênico no vaso sanitário: pode?
Embora hoje exista uma tendência entre as empresas de
instituir o descarte do papel no vaso sanitário a fim de evitar mau cheiro,
dispêndio com sacos de lixo ou mesmo a contaminação cruzada pelo manuseio na
recolha do papel sujo, esta orientação precisa ser vista com certo cuidado.
“Os sistemas hidráulicos brasileiros, de maneira geral, não
estão preparados para receber essa massa de papel, além do fato de o papel ser
uma fibra e poder se ‘alojar’, grudar em pequenos desgastes de canos, materiais
tubulares ou protuberâncias das redes. Essa fibra, ao secar, torna-se um
material duro e sólido novamente, que pode vir a trazer problemas futuros”,
destaca a diretora da Ipel, Luciana Dobuchak.
Outro ponto é que, segundo o IBGE, quase 40% dos municípios
brasileiros não têm serviço de esgoto por rede coletora, o que faz com que
muitos dejetos sejam jogados diretamente na rede fluvial ou no mar. Então,
muito além de uma questão estrutural, o descarte incorreto pode trazer danos
ambientais. Sem contar que, mesmo que houvesse uma rede de esgoto mais bem
preparada, não é qualquer papel de linha higiênica que pode ser descartado em
vasos sanitários. O papel toalha, por exemplo, não se desagrega e pode se
tornar um incômodo em fossas sépticas ou no recebimento dos esgotos para
tratamento. E aí caberia às empresas educar os colaboradores sobre quais papéis
poderiam ser jogados no vaso sanitário e quais não.
Independentemente das tendências no meio corporativo, várias
empresas estaduais de tratamento de água já vêm se posicionando a respeito do
assunto. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp)
informa em seu site que o papel higiênico não deve ser jogado no vaso sanitário
por razões de entupimentos na rede interna. A Companhia de Saneamento do Paraná
(Sanepar) também chama a atenção dos cidadãos para não jogar lixo no vaso
sanitário, já que as tubulações de esgoto de casas e prédios da região têm, no
máximo, 10 centímetros de diâmetro e o descarte de resíduos, entre eles o papel
higiênico, pode causar entupimentos na rede. Já a Empresa Baiana de Água e
Saneamento (Embasa) desenvolveu até uma cartilha explicando aos cidadãos o
porquê de não descartar lixo – incluindo papel higiênico – no vaso sanitário,
uma vez que podem entupir as instalações sanitárias internas dos imóveis.
Embora não haja lei que regulamente essa questão no país,
contar com o bom senso pode ser o primeiro passo para evitar problemas nas
redes de esgoto. Na impossibilidade de garantir que o sistema de seu prédio ou
de sua cidade comporta o descarte em vasos sanitários, o mais prudente ainda é
fazê-lo nas lixeiras. “Ambientalmente, o papel higiênico tem pouco impacto a
médio prazo, já que é biodegradável e, em cerca de três meses, acaba por sumir
por completo em aterros ou mesmo em depósitos de lixo”, conclui Luciana.